quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ESTERIÓTIPOS DOS ORIXÁS.

Do orixá carregamos muito de suas virtudes, muito de seus defeitos,

muito de sua personalidade mítica. Todo escrito sobre candomblé faz

alguma referência a isso, o que se chamou de arquétipo, ou, mais

precisamente, estereótipo. Na verdade, procuramos comprovar a

existência de um padrão “arquetípico” entre o povo-de-santo.

Vamos falar apenas dos orixás de culto mais difundido

em São Paulo, pois, em geral, a mãe-de-santo constrói sua idéia

estereotipada do filho-de-santo a partir do convívio com filhos consagrados

a este ou àquele orixá. Ou o contrário: a identificação do orixá leva em conta

o “jeito” do filho que está chegando à casa. Em casas constituídas nos ritos

do candomblé há alguns anos, portanto com um grande número de

iniciados, os babalorixás e ialorixás mostraram grande facilidade de falar

sobre os tipos. Os que estão começando dizem, por exemplo, “Ah, deste

orixá eu não tenho ninguém em casa”, ou, “desse só tenho uma menina”.

Em casas novas de ialorixás que, entretanto, tiveram longo tempo de

convivência com o candomblé na casa de seus pais-de-santo, elas terão tudo

na ponta da língua.


EXU

Os filhos de Exu são agitados. Gente irônica, manhosa, perigosa,

viril . É gente que fala fácil; sexualmente ativado.

Gente de Exu adora a rua, adora a cachaça. E é gente muito rápida. Pensou,

já fez.. Gente de Exu é perturbada, vive tendo problema com a polícia. É

gente perversa, matreira, que gosta de pegar as pessoas à traição. Tem que

saber levar. Exu pra bagunçar uma casa, só ele. Mas não guardam rancor.

Tipo mítico-geral: Ambivalente, inclinado à maldade, depravação e

corrupção. Intriguentos e egoístas.

Queto : Contraditório, alegre, brincalhão, inteligente e amante

das comidas e bebidas. Também mal-educado, sujo, manhoso e astuto.

Briguento e mulherengo.

OGUM

É briguento, conquistador. Gente de Ogum adora pisar nos outros.

Não é o tipo carinhoso, mas muito potente sexualmente, sendo o que é,

irmão de Exu. É guerreiro, mas é covarde: é o tipo do cara que bate na

mulher. E é o tipo da mulher teimosa feito a peste. Ogum é sempre do

contra. Vai sempre em frente: são gananciosas e autoritárias. É do tipo: “o

que que é, não gostou?” quando se sente observado por alguém.

Desconfiado. Apesar de amante da ordem e da organização, não é afeito ao

trabalho intelectual.

Tipo mítico-geral: Violentos, briguentos, impulsivos. Obstinados,

arrogantes e indiscretos, sinceros e francos.

Queto : Emotivos, extrovertidos, impacientes, intolerantes.

Trabalhador, rápido e enérgico. Audacioso, arrebatado e viril. Afeitos aos

ofícios mecânicos e às profissões militares.

Nagô : Irascíveis, violentos, reservados, pouco

amigáveis. Suas brigas terminam em sangue.

Angola : Empreendedor, batalhador, conquistador, de gênio difícil.

OXÓSSI

É o provedor. Mas trabalha hoje pra comer hoje; jamais fica rico.

Gente de Oxóssi é desconfiada; está sempre à espreita. E são solitários,

gostam da solidão, de estar a sós. Mas não vivem sem amor; precisam dele

embora não confiem no parceiro. Os filhos de Oxóssi são curiosos,

observadores, percebem tudo com rapidez. Sentem-se os donos, bonitos,

acham-se lindos e gostam do que é bom. São espontâneos. Um filho de

Oxóssi é magro e quieto. Concordam agora e discordam depois.

Tipo mítico-geral: Espertas e rápidas, sempre alertas. Curiosos,

hospitaleiros, amantes da ordem. Sempre buscando coisas novas e novas

moradias.

Queto : Esbelto, ágil, observador, curioso, mas introvertido e

discreto. Costumam ser amáveis, calmos e estimados.

Nagô: Alegres, prestativos, infantis.

Angola: Refinado, curioso, pouco perseverante, instáveis afetivamente.

OMULU/OBALUAIÊ

Gente pessimista. Deprimida e depressora. Aquele tipo que é capaz de

baixar o astral, mas é um cara muito verdadeiro, muito na dele. Filhos de

Omulu oscilam entre a docilidade e a rabugice. Povo de Omulu não fica rico

nunca, nem é guloso. Ruins, porém honestos. Não gostam de conversa.

Convivem com problemas de saúde. Acham que são sempre os sofredores,

que ninguém os compreende. Gostam de tudo dentro da linha. Mas estão

sempre reclamando. É perverso e prestativo ao mesmo tempo.

Tipo mítico-geral: Masoquistas, insatisfeitas, mas que podem bem ser

altruístas.

Queto : Reprimido, frustrado, amargo e vingativo. De difícil

relacionamento, podem ser sábios e profundos. Têm grande senso de

responsabilidade.

Nagô pernambucano: Feios, ensimesmados, anti-sociais.

Angola : Pessimista, desajeitado, de mentalidade

autodestrutiva.

XANGÔ

O povo de Xangô é cheio de conversas. Adora o poder, mas são

desajeitados. É difícil lidar com gente de Xangô. Como se sentem reis, são

invejosos. Não têm meio-termo, e são de uma teimosia atroz. Xangô é justo

à moda dele, pois ele visa sempre o poder. Adora hierarquia — quando está

por cima. Os de Xangô são fisicamente fortes e têm tendência a enriquecer,

como os de Oxum. É gente estourada. Um filho de Xangô gosta de ter

muitos casos de amor. São intransigentes e não gostam do que não

entendem. Eles sempre falam com você com um pé atrás. São gananciosos.

São vaidosos mas não sabem se vestir bem. Têm afinidade com

engenheiros, juízes e professores. Fala pouco, escreve muito e age

ocultamente.

Tipo mítico-geral: Voluntariosas e enérgicas. Sedutoras e amantes da

coerência. Severos, benevolentes e com senso de justiça.

Queto: Sensual, conquistador, libertino e marido infiel.

Ciumento e vingativo. Valente e cruel.

Nagô : Combativo mas covarde em relação à morte,

escandaloso, preguiçoso, inteligente, esperto, desconfiado, gosta de testar as

coisas ele mesmo, cético, inclinado às aventuras amorosas. Furioso, são

intratável, sério e nada brincalhão. Fala demasiadamente.

Angola fluminense: Bon vivant, libertino, visceral, guloso.

OXUM

Gente de Oxum é a vaidade, a coqueteria. É o padrão de mulher

brasileira. Gosta de luxo, riqueza, pois Oxum é o orixá do ouro. Os homens

de Oxum também são a vaidade em pessoa, às vezes vaidade puramente

intelectual. Mas toda a gente de Oxum leva aquele tipo físico de formas

arredondadas, o tipo quase gordinho. Gente de Oxum é extremamente

sedutora, ardilosa no amor, mas acaba sempre sozinha. Adora uma pirraça.

Oxum não leva desaforo para casa. Gente gastona, mas que nunca fica na

miséria. Há gente de Oxum meiga e gente sofredora; carinhosas umas,

sofredoras outras. Não gostam de perder uma guerra, às vezes são falsas,

mas dão ótimas amigas. É gente brava e fofoqueira. Excelentes feiticeiras.

Tipo mítico-geral: Pessoas graciosas, vaidosas, amorosas e

voluptuosas, porém reservadas. Voluntariosas e desejosas de ascensão

social.

Queto : Sensuais, vaidosas, às vezes levianas e fúteis.

Ambiciosas e astutas. Hipócritas e interesseiras.

Nagô : Vaidosas, femininas, sedutoras, à vontade,

espertas, podem se contentar com pouca coisa, atraentes, amáveis.

Angola : Preguiçosas, descuidadas, interessadas e coquetes.

LOGUN-E

Logun-Edé é metá-metá. Meio Oxóssi, meio Oxum. Inconstantes.

Somem por seis meses e quando voltam dizem “Oi!”, como se tivessem ido

ali comprar cigarro. São pedantes, metidos, sabem que são bonitos, tiram

proveito disso. Pessoas de Logun são amáveis, mas têm o nariz empinado.

Logun gosta muito de viajar. Mas é um menino e não sabe direito o que

quer na vida. Inconstantes, são volúveis no amor.

Tipo mítico-geral: Leva características de Oxum e Oxóssi (Erinlé).

Queto : Orgulhoso de sua beleza física. De trato fácil, bem

humorado, calmo e educado. Romântico e intuitivo.

Nagô : (Não cultuado)

O/IANSÃ

A palavra assanhada da língua portuguesa vem de Iansã, de uma tal

baiana Maria de Iansã; precisa falar mais? Iansã é a sensualidade em pessoa.

Gente de Iansã é , atacada. E é gente bonita, bonita de morrer. Adora

usar o outro. Mas não admite traição e quando ama é capaz de ir ao inferno

para defender o ser amado. É gente explosiva, inteligente, que bota pra

quebrar. Só que o povo de Iansã é de gente metódica. São valentes,

malcriadas e respondonas. Tem gente de Oiá incapaz de segurar a língua.

Iansã precisa de uma segunda pessoa pra se sentir segura. Oiá só gosta de

ouvir o que quer. Mas você pode contar com alguém de Oiá : se é amigo, é

amigo. É espalhafatosa, está sempre festejando. Fala pelos cotovelos;

quando intelectuais são brilhantíssimas.

Tipo mítico-geral: Audaciosas, poderosas e autoritárias. Sensuais,

voluptuosas, mas leais. Ciumentas de seus maridos, por elas freqüentemente

enganados.

Queto : Enérgicas, dinâmicas, nervosas e irrequietas. Atrevidas,

egoístas, corajosas e coléricas. Não se importam com a opinião alheia, mas

não toleram a rivalidade. De intensa vida sexual.

Nagô : Exibicionistas, sutis e sedutores, não

indulgentes, mudam de amor freqüentemente, rebeldes. São francos e

odeiam traição e fingimento. Francos, falam na cara. Sentem-se superiores.

Inteligentes e corajosos

Angola : Vivas, conquistadoras, cruéis e até coléricas.

Ativas e ciumentas.

O

Obá é mulher sofrida, sem atrativos, melancólica, infeliz,

trabalhadeira. Gente de Obá trabalha feito burro de carga. Ao mesmo tempo

guerreira. Povo de Obá é ingênuo, fácil de ser passado para trás. Pessoas

boas, mas estabanadas. As mulheres de Obá se sentem mal-amadas.

Reclamam muito da vida. São excelentes empregadas domésticas.

Agressivas e persistentes.

Tipo mítico-geral: Valorosas mas incompreendidas. Ciumentas e não

correspondidas. Buscam satisfação material para compensar os insucessos

afetivos.

Nagô : Mulheres sem atrativos que se deixam enganar.

NANÃ

Gente de Nanã já nasce velha. Você vê uma criança de Nanã e ela está

lá, sem brincar, fazendo suas coisinhas sem pressa, mas com determinação.

Nanã é excelente pessoa mas, pisou no território dela, ela mata, ela se vinga.

Agora, filhos de Nanã são leais, se você for leal a eles. Nanã mata o outro de

pirraça, gosta muito de rogar praga. Podem ser volúveis. São muito

trabalhadeiras.

Tipo mítico-geral: Calmas, benevolentes, gentis, equilibradas e

seguras. Lentas no trabalho e dóceis com as crianças.

Queto : Trabalhadeiras, assexuadas, sem vaidade. Intolerantes,

ranzinzas. Austeras, previdentes e com fortes princípios morais.

Angola : Espírito velho, taciturno e resmungão. Vingativas

e muito trabalhadeiras.

IEMANJÁ

Povo de Iemanjá. Eta povo linguarudo. Nunca conte um segredo para

um filho de Iemanjá. É gente super maternal, mas é gente perigosa,

traiçoeira e calculista, porque você nunca sabe o que uma pessoa de Iemanjá

está pensando. Verdadeiras incógnitas. . É povo briguento. Se você se põe nas mãos de alguém de Iemanjá,

pode ficar tranqüilo: terá conselhos, orientação, mas sempre tratando você

como filho. Filhos de Iemanjá ostentam uma calma aparente, só aparente.

Gente chorona, perturbada., bom coração. São

quietas e cansadas. É gente arisca. Perceptiva, sabe tudo que o outro está

pensando. Podem ser boas psicólogas.

Tipo mítico-geral: Fortes, voluntariosas, protetoras e altivas.

Maternais, justas, porém formais e incapazes de perdoar (conforme

etnografia de Cuba).

Queto Séria, digna, sensual, fascinante. Maternal e possessiva.

Independente e fechada.

Nagô : fingidas, falsas, amigáveis, protetoras e

maternais, pacientes, covardes, preguiçosas, não confiáveis, incapazes de

guardar um segredo.

Angola : Irritável, instável, generosa, maternal e solitária.

OXALÁ-OXAGUIÃ

Todo orixá funfun (branco) é lunático. Oxaguiã, o Oxalá jovem, tem

tudo de Oxalufã, o velho, só que é guerreiro, briguento, agitado. ·s vezes

perde a razão e pisa no que tiver na frente. De repente, fica parado,

pensativo. É valente e detesta perder uma parada. Gente de Oxaguiã é muito

organizada — só que a ordem sempre está na cabeça deles e a gente não

percebe. Detestam ser criticados. Oxaguiã dá filhos guerreiros, lutadores.

São mentirosos e gostam de ser donos do pedaço. São fechados e nunca

dizem o que sentem, mas quando se apaixonam, se apaixonam mesmo.

Oxaguiã é brasa escondida. Se ofendido, levanta com uma ira que você não

sabe. Gente de Oxaguiã não cai, vai à luta. Não gostam de luxo, vestem-se

com simplicidade. ·s vezes cismam que nada está bom. Quando você vai

com o milho, Oxaguiã já vem com o fubá.

Queto : Valente, jovem, poderoso e generoso. Inteligente,

romântico, sensível, e intuitivo.

Nagô : Incansáveis, não param quietos, intrometidos,

introvertidos. Assim como os de Oxalufã, perdoam mas quando punem

alguém o fazem para sempre.

OXALÁ-OXALUFÃ

Pessoa de Oxalufã, Oxalá velho, é fria, lenta e lerda. Mas gente de

Oxalá é brilhante, apesar da calma. Gente de Oxalufã chega sempre

atrasado, mas são portadores de grande bondade — desde que eles possam

mandar, dar a última palavra. Gente de Oxalá fica com muita raiva, mas é

passageira, sempre acaba perdoando. Oxalufã é uma pessoa muito simples,

mas sabe ser teimoso e ruim. O povo de Oxalufã é sovina, não dá até logo

pra não gastar a mão. Ranzinzas, chatos, Entendem de tudo...

Tipo mítico-geral: Calmas, teimosas, respeitáveis. Reservadas e

resignadas

Queto : Sábio, inabalável, perseverante, íntegro e tolerante.

Generoso, não perdoa quando ofendido. Lento e quieto. Impotente e

cansado.

Nagô : Calmos mas explosivos, pacíficos, fazem tudo

com dificuldade, mas têm inteligência e grande sabedoria. Dóceis, estáveis e

serenos. Imparciais.

Angola : Calmo, lento, cabeçudo, reservado e obstinado.

Não esquece as ofensas.

A constituição desses tipos se repetem nas diferentes nações.

Isto mostra uma acentuada tendência no sentido da

reprodução reiterada dos conteúdos míticos que dão corpo ao Candomblé, o

que já não acontece na Umbanda, que, apesar de cultuar os orixás, esqueceu

seus mitos. Entretanto, em termos de personalidade e conduta, acredita-se,

no candomblé, que um só tipo, um só orixá geral, não é suficiente para a

definição da pessoa. Primeiro, porque à qualidade do orixá pessoal (mais

velho, mais novo; mais guerreiro, mais pacífico; mais do meio do rio, mais

junto à margem do rio etc.) corresponderão variações, da mesma maneira

que haverá variações nas cores, nas ferramentas, nos objetos do

assentamento etc., enfim em tudo aquilo que se denomina no candomblé de

“fuxico” do santo.

Além das variações da qualidade — como mostramos no caso de

Oxalá: Oxaguiã, o jovem e Oxalufã, o velho — e daquelas decorrentes do

“fuxico” daquele santo em particular, somos também regidos por um

segundo orixá, o juntó, ou adjuntó. É comum se ouvir falar: “Sou de Oxalá,

mas quem me rege é Iemanjá Ogunté”. Outros vão dizer: “Ele é duma

Iemanjá muito velha e calma como Nanã, mas o juntó é um Ogum bravo.”

Depois, dependendo do rito, vem o terceiro santo, o quarto etc. Há

casas africanizadas que assentam apenas o orixá principal. Outras assentam

o orixá principal e juntó e mais o Exu do orixá. Há casas que assentam sete

santos. Cada situação gerará um “fuxico” da casa, os chamados “carregos”

de santo, ou “enredos”.

Vimos que os tipos orixá-pessoa contemplam uma variedade de

virtudes e defeitos. Servem no candomblé para justificar as ações do filho.

Mas os tipos não são tão definitivamente claros. Há uma grande

flexibilidade que permite a alguém ser tanto de Iemanjá como de Oba , de

Nanã etc. Em geral, também conta na definição do orixá da pessoa o

interesse da casa em cultuar tal ou qual orixá.

O "pai-de-santo" dirá ou " de santo ": todo orixá tem seu lado bom e seu lado ruim, e

todo homem e toda mulher tem seu lado bom e seu lado ruim. E isto está

inscrito no destino da pessoa.

O interessante é que, não importa qual seja o seu orixá, o iniciado, e

também o cliente, acaba sempre encontrando no tipo-orixá do seu santo

justificativas para suas ações e modos de ser. Que já é tempo de erradicar o

sentimento de culpa, como queria a psicanálise.

Essas virtudes e defeitos, esses modos de ser, são constantemente

referidos aos mitos e lendas dos orixás, quer aprendidos por tradição oral,

quer aprendidos por meio de publicações etnográficas e religiosas1.

O importante aqui é que o orixá tem muito de humano. Ao contrário

da hagiografia católica (o santo é sempre virtuoso e, se teve defeitos, os

renegou no ato do arrependimento), a tradição oral e escrita do candomblé

enfatiza, como constitutivo do orixá, tudo aquilo que dele fez um herói, um

deus, um poderoso — não importa o quê.

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