muito de sua personalidade mítica. Todo escrito sobre candomblé faz
alguma referência a isso, o que se chamou de arquétipo, ou, mais
precisamente, estereótipo. Na verdade, procuramos comprovar a
existência de um padrão “arquetípico” entre o povo-de-santo.
Vamos falar apenas dos orixás de culto mais difundido
em São Paulo, pois, em geral, a mãe-de-santo constrói sua idéia
estereotipada do filho-de-santo a partir do convívio com filhos consagrados
a este ou àquele orixá. Ou o contrário: a identificação do orixá leva em conta
o “jeito” do filho que está chegando à casa. Em casas constituídas nos ritos
do candomblé há alguns anos, portanto com um grande número de
iniciados, os babalorixás e ialorixás mostraram grande facilidade de falar
sobre os tipos. Os que estão começando dizem, por exemplo, “Ah, deste
orixá eu não tenho ninguém em casa”, ou, “desse só tenho uma menina”.
Em casas novas de ialorixás que, entretanto, tiveram longo tempo de
convivência com o candomblé na casa de seus pais-de-santo, elas terão tudo
na ponta da língua.
EXU
Os filhos de Exu são agitados. Gente irônica, manhosa, perigosa,
viril . É gente que fala fácil; sexualmente ativado.
Gente de Exu adora a rua, adora a cachaça. E é gente muito rápida. Pensou,
já fez.. Gente de Exu é perturbada, vive tendo problema com a polícia. É
gente perversa, matreira, que gosta de pegar as pessoas à traição. Tem que
saber levar. Exu pra bagunçar uma casa, só ele. Mas não guardam rancor.
Tipo mítico-geral: Ambivalente, inclinado à maldade, depravação e
corrupção. Intriguentos e egoístas.
Queto : Contraditório, alegre, brincalhão, inteligente e amante
das comidas e bebidas. Também mal-educado, sujo, manhoso e astuto.
Briguento e mulherengo.
OGUM
É briguento, conquistador. Gente de Ogum adora pisar nos outros.
Não é o tipo carinhoso, mas muito potente sexualmente, sendo o que é,
irmão de Exu. É guerreiro, mas é covarde: é o tipo do cara que bate na
mulher. E é o tipo da mulher teimosa feito a peste. Ogum é sempre do
contra. Vai sempre em frente: são gananciosas e autoritárias. É do tipo: “o
que que é, não gostou?” quando se sente observado por alguém.
Desconfiado. Apesar de amante da ordem e da organização, não é afeito ao
trabalho intelectual.
Tipo mítico-geral: Violentos, briguentos, impulsivos. Obstinados,
arrogantes e indiscretos, sinceros e francos.
Queto : Emotivos, extrovertidos, impacientes, intolerantes.
Trabalhador, rápido e enérgico. Audacioso, arrebatado e viril. Afeitos aos
ofícios mecânicos e às profissões militares.
Nagô : Irascíveis, violentos, reservados, pouco
amigáveis. Suas brigas terminam em sangue.
Angola : Empreendedor, batalhador, conquistador, de gênio difícil.
OXÓSSI
É o provedor. Mas trabalha hoje pra comer hoje; jamais fica rico.
Gente de Oxóssi é desconfiada; está sempre à espreita. E são solitários,
gostam da solidão, de estar a sós. Mas não vivem sem amor; precisam dele
embora não confiem no parceiro. Os filhos de Oxóssi são curiosos,
observadores, percebem tudo com rapidez. Sentem-se os donos, bonitos,
acham-se lindos e gostam do que é bom. São espontâneos. Um filho de
Oxóssi é magro e quieto. Concordam agora e discordam depois.
Tipo mítico-geral: Espertas e rápidas, sempre alertas. Curiosos,
hospitaleiros, amantes da ordem. Sempre buscando coisas novas e novas
moradias.
Queto : Esbelto, ágil, observador, curioso, mas introvertido e
discreto. Costumam ser amáveis, calmos e estimados.
Nagô: Alegres, prestativos, infantis.
Angola: Refinado, curioso, pouco perseverante, instáveis afetivamente.
OMULU/OBALUAIÊ
Gente pessimista. Deprimida e depressora. Aquele tipo que é capaz de
baixar o astral, mas é um cara muito verdadeiro, muito na dele. Filhos de
Omulu oscilam entre a docilidade e a rabugice. Povo de Omulu não fica rico
nunca, nem é guloso. Ruins, porém honestos. Não gostam de conversa.
Convivem com problemas de saúde. Acham que são sempre os sofredores,
que ninguém os compreende. Gostam de tudo dentro da linha. Mas estão
sempre reclamando. É perverso e prestativo ao mesmo tempo.
Tipo mítico-geral: Masoquistas, insatisfeitas, mas que podem bem ser
altruístas.
Queto : Reprimido, frustrado, amargo e vingativo. De difícil
relacionamento, podem ser sábios e profundos. Têm grande senso de
responsabilidade.
Nagô pernambucano: Feios, ensimesmados, anti-sociais.
Angola : Pessimista, desajeitado, de mentalidade
autodestrutiva.
XANGÔ
O povo de Xangô é cheio de conversas. Adora o poder, mas são
desajeitados. É difícil lidar com gente de Xangô. Como se sentem reis, são
invejosos. Não têm meio-termo, e são de uma teimosia atroz. Xangô é justo
à moda dele, pois ele visa sempre o poder. Adora hierarquia — quando está
por cima. Os de Xangô são fisicamente fortes e têm tendência a enriquecer,
como os de Oxum. É gente estourada. Um filho de Xangô gosta de ter
muitos casos de amor. São intransigentes e não gostam do que não
entendem. Eles sempre falam com você com um pé atrás. São gananciosos.
São vaidosos mas não sabem se vestir bem. Têm afinidade com
engenheiros, juízes e professores. Fala pouco, escreve muito e age
ocultamente.
Tipo mítico-geral: Voluntariosas e enérgicas. Sedutoras e amantes da
coerência. Severos, benevolentes e com senso de justiça.
Queto: Sensual, conquistador, libertino e marido infiel.
Ciumento e vingativo. Valente e cruel.
Nagô : Combativo mas covarde em relação à morte,
escandaloso, preguiçoso, inteligente, esperto, desconfiado, gosta de testar as
coisas ele mesmo, cético, inclinado às aventuras amorosas. Furioso, são
intratável, sério e nada brincalhão. Fala demasiadamente.
Angola fluminense: Bon vivant, libertino, visceral, guloso.
OXUM
Gente de Oxum é a vaidade, a coqueteria. É o padrão de mulher
brasileira. Gosta de luxo, riqueza, pois Oxum é o orixá do ouro. Os homens
de Oxum também são a vaidade em pessoa, às vezes vaidade puramente
intelectual. Mas toda a gente de Oxum leva aquele tipo físico de formas
arredondadas, o tipo quase gordinho. Gente de Oxum é extremamente
sedutora, ardilosa no amor, mas acaba sempre sozinha. Adora uma pirraça.
Oxum não leva desaforo para casa. Gente gastona, mas que nunca fica na
miséria. Há gente de Oxum meiga e gente sofredora; carinhosas umas,
sofredoras outras. Não gostam de perder uma guerra, às vezes são falsas,
mas dão ótimas amigas. É gente brava e fofoqueira. Excelentes feiticeiras.
Tipo mítico-geral: Pessoas graciosas, vaidosas, amorosas e
voluptuosas, porém reservadas. Voluntariosas e desejosas de ascensão
social.
Queto : Sensuais, vaidosas, às vezes levianas e fúteis.
Ambiciosas e astutas. Hipócritas e interesseiras.
Nagô : Vaidosas, femininas, sedutoras, à vontade,
espertas, podem se contentar com pouca coisa, atraentes, amáveis.
Angola : Preguiçosas, descuidadas, interessadas e coquetes.
LOGUN-EDÉ
Logun-Edé é metá-metá. Meio Oxóssi, meio Oxum. Inconstantes.
Somem por seis meses e quando voltam dizem “Oi!”, como se tivessem ido
ali comprar cigarro. São pedantes, metidos, sabem que são bonitos, tiram
proveito disso. Pessoas de Logun são amáveis, mas têm o nariz empinado.
Logun gosta muito de viajar. Mas é um menino e não sabe direito o que
quer na vida. Inconstantes, são volúveis no amor.
Tipo mítico-geral: Leva características de Oxum e Oxóssi (Erinlé).
Queto : Orgulhoso de sua beleza física. De trato fácil, bem
humorado, calmo e educado. Romântico e intuitivo.
Nagô : (Não cultuado)
OIÁ/IANSÃ
A palavra assanhada da língua portuguesa vem de Iansã, de uma tal
baiana Maria de Iansã; precisa falar mais? Iansã é a sensualidade em pessoa.
Gente de Iansã é , atacada. E é gente bonita, bonita de morrer. Adora
usar o outro. Mas não admite traição e quando ama é capaz de ir ao inferno
para defender o ser amado. É gente explosiva, inteligente, que bota pra
quebrar. Só que o povo de Iansã é de gente metódica. São valentes,
malcriadas e respondonas. Tem gente de Oiá incapaz de segurar a língua.
Iansã precisa de uma segunda pessoa pra se sentir segura. Oiá só gosta de
ouvir o que quer. Mas você pode contar com alguém de Oiá : se é amigo, é
amigo. É espalhafatosa, está sempre festejando. Fala pelos cotovelos;
quando intelectuais são brilhantíssimas.
Tipo mítico-geral: Audaciosas, poderosas e autoritárias. Sensuais,
voluptuosas, mas leais. Ciumentas de seus maridos, por elas freqüentemente
enganados.
Queto : Enérgicas, dinâmicas, nervosas e irrequietas. Atrevidas,
egoístas, corajosas e coléricas. Não se importam com a opinião alheia, mas
não toleram a rivalidade. De intensa vida sexual.
Nagô : Exibicionistas, sutis e sedutores, não
indulgentes, mudam de amor freqüentemente, rebeldes. São francos e
odeiam traição e fingimento. Francos, falam na cara. Sentem-se superiores.
Inteligentes e corajosos
Angola : Vivas, conquistadoras, cruéis e até coléricas.
Ativas e ciumentas.
OBÁ
Obá é mulher sofrida, sem atrativos, melancólica, infeliz,
trabalhadeira. Gente de Obá trabalha feito burro de carga. Ao mesmo tempo
guerreira. Povo de Obá é ingênuo, fácil de ser passado para trás. Pessoas
boas, mas estabanadas. As mulheres de Obá se sentem mal-amadas.
Reclamam muito da vida. São excelentes empregadas domésticas.
Agressivas e persistentes.
Tipo mítico-geral: Valorosas mas incompreendidas. Ciumentas e não
correspondidas. Buscam satisfação material para compensar os insucessos
afetivos.
Nagô : Mulheres sem atrativos que se deixam enganar.
NANÃ
Gente de Nanã já nasce velha. Você vê uma criança de Nanã e ela está
lá, sem brincar, fazendo suas coisinhas sem pressa, mas com determinação.
Nanã é excelente pessoa mas, pisou no território dela, ela mata, ela se vinga.
Agora, filhos de Nanã são leais, se você for leal a eles. Nanã mata o outro de
pirraça, gosta muito de rogar praga. Podem ser volúveis. São muito
trabalhadeiras.
Tipo mítico-geral: Calmas, benevolentes, gentis, equilibradas e
seguras. Lentas no trabalho e dóceis com as crianças.
Queto : Trabalhadeiras, assexuadas, sem vaidade. Intolerantes,
ranzinzas. Austeras, previdentes e com fortes princípios morais.
Angola : Espírito velho, taciturno e resmungão. Vingativas
e muito trabalhadeiras.
IEMANJÁ
Povo de Iemanjá. Eta povo linguarudo. Nunca conte um segredo para
um filho de Iemanjá. É gente super maternal, mas é gente perigosa,
traiçoeira e calculista, porque você nunca sabe o que uma pessoa de Iemanjá
está pensando. Verdadeiras incógnitas. . É povo briguento. Se você se põe nas mãos de alguém de Iemanjá,
pode ficar tranqüilo: terá conselhos, orientação, mas sempre tratando você
como filho. Filhos de Iemanjá ostentam uma calma aparente, só aparente.
Gente chorona, perturbada., bom coração. São
quietas e cansadas. É gente arisca. Perceptiva, sabe tudo que o outro está
pensando. Podem ser boas psicólogas.
Tipo mítico-geral: Fortes, voluntariosas, protetoras e altivas.
Maternais, justas, porém formais e incapazes de perdoar (conforme
etnografia de Cuba).
Queto Séria, digna, sensual, fascinante. Maternal e possessiva.
Independente e fechada.
Nagô : fingidas, falsas, amigáveis, protetoras e
maternais, pacientes, covardes, preguiçosas, não confiáveis, incapazes de
guardar um segredo.
Angola : Irritável, instável, generosa, maternal e solitária.
OXALÁ-OXAGUIÃ
Todo orixá funfun (branco) é lunático. Oxaguiã, o Oxalá jovem, tem
tudo de Oxalufã, o velho, só que é guerreiro, briguento, agitado. ·s vezes
perde a razão e pisa no que tiver na frente. De repente, fica parado,
pensativo. É valente e detesta perder uma parada. Gente de Oxaguiã é muito
organizada — só que a ordem sempre está na cabeça deles e a gente não
percebe. Detestam ser criticados. Oxaguiã dá filhos guerreiros, lutadores.
São mentirosos e gostam de ser donos do pedaço. São fechados e nunca
dizem o que sentem, mas quando se apaixonam, se apaixonam mesmo.
Oxaguiã é brasa escondida. Se ofendido, levanta com uma ira que você não
sabe. Gente de Oxaguiã não cai, vai à luta. Não gostam de luxo, vestem-se
com simplicidade. ·s vezes cismam que nada está bom. Quando você vai
com o milho, Oxaguiã já vem com o fubá.
Queto : Valente, jovem, poderoso e generoso. Inteligente,
romântico, sensível, e intuitivo.
Nagô : Incansáveis, não param quietos, intrometidos,
introvertidos. Assim como os de Oxalufã, perdoam mas quando punem
alguém o fazem para sempre.
OXALÁ-OXALUFÃ
Pessoa de Oxalufã, Oxalá velho, é fria, lenta e lerda. Mas gente de
Oxalá é brilhante, apesar da calma. Gente de Oxalufã chega sempre
atrasado, mas são portadores de grande bondade — desde que eles possam
mandar, dar a última palavra. Gente de Oxalá fica com muita raiva, mas é
passageira, sempre acaba perdoando. Oxalufã é uma pessoa muito simples,
mas sabe ser teimoso e ruim. O povo de Oxalufã é sovina, não dá até logo
pra não gastar a mão. Ranzinzas, chatos, Entendem de tudo...
Tipo mítico-geral: Calmas, teimosas, respeitáveis. Reservadas e
resignadas
Queto : Sábio, inabalável, perseverante, íntegro e tolerante.
Generoso, não perdoa quando ofendido. Lento e quieto. Impotente e
cansado.
Nagô : Calmos mas explosivos, pacíficos, fazem tudo
com dificuldade, mas têm inteligência e grande sabedoria. Dóceis, estáveis e
serenos. Imparciais.
Angola : Calmo, lento, cabeçudo, reservado e obstinado.
Não esquece as ofensas.
A constituição desses tipos se repetem nas diferentes nações.
reprodução reiterada dos conteúdos míticos que dão corpo ao Candomblé, o
que já não acontece na Umbanda, que, apesar de cultuar os orixás, esqueceu
seus mitos. Entretanto, em termos de personalidade e conduta, acredita-se,
no candomblé, que um só tipo, um só orixá geral, não é suficiente para a
definição da pessoa. Primeiro, porque à qualidade do orixá pessoal (mais
velho, mais novo; mais guerreiro, mais pacífico; mais do meio do rio, mais
junto à margem do rio etc.) corresponderão variações, da mesma maneira
que haverá variações nas cores, nas ferramentas, nos objetos do
assentamento etc., enfim em tudo aquilo que se denomina no candomblé de
“fuxico” do santo.
Além das variações da qualidade — como mostramos no caso de
Oxalá: Oxaguiã, o jovem e Oxalufã, o velho — e daquelas decorrentes do
“fuxico” daquele santo em particular, somos também regidos por um
segundo orixá, o juntó, ou adjuntó. É comum se ouvir falar: “Sou de Oxalá,
mas quem me rege é Iemanjá Ogunté”. Outros vão dizer: “Ele é duma
Iemanjá muito velha e calma como Nanã, mas o juntó é um Ogum bravo.”
Depois, dependendo do rito, vem o terceiro santo, o quarto etc. Há
casas africanizadas que assentam apenas o orixá principal. Outras assentam
o orixá principal e juntó e mais o Exu do orixá. Há casas que assentam sete
santos. Cada situação gerará um “fuxico” da casa, os chamados “carregos”
de santo, ou “enredos”.
Vimos que os tipos orixá-pessoa contemplam uma variedade de
virtudes e defeitos. Servem no candomblé para justificar as ações do filho.
Mas os tipos não são tão definitivamente claros. Há uma grande
flexibilidade que permite a alguém ser tanto de Iemanjá como de Oba , de
Nanã etc. Em geral, também conta na definição do orixá da pessoa o
interesse da casa em cultuar tal ou qual orixá.
O "pai-de-santo" dirá ou " de santo ": todo orixá tem seu lado bom e seu lado ruim, e
todo homem e toda mulher tem seu lado bom e seu lado ruim. E isto está
inscrito no destino da pessoa.
O interessante é que, não importa qual seja o seu orixá, o iniciado, e
também o cliente, acaba sempre encontrando no tipo-orixá do seu santo
justificativas para suas ações e modos de ser. Que já é tempo de erradicar o
sentimento de culpa, como queria a psicanálise.
Essas virtudes e defeitos, esses modos de ser, são constantemente
referidos aos mitos e lendas dos orixás, quer aprendidos por tradição oral,
quer aprendidos por meio de publicações etnográficas e religiosas1.
O importante aqui é que o orixá tem muito de humano. Ao contrário
da hagiografia católica (o santo é sempre virtuoso e, se teve defeitos, os
renegou no ato do arrependimento), a tradição oral e escrita do candomblé
enfatiza, como constitutivo do orixá, tudo aquilo que dele fez um herói, um
deus, um poderoso — não importa o quê.
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