LENDAS DE XANGÔ1
A mitologia  nos conta a história de Xangô, que começa com o surgimento dos povos  iorubás e sua primeira capital, Ilê-Ifé, fala da fundação de Oió e narra  os momentos cruciais da vida de Xangô:
“Num tempo muito antigo, na África, houve um guerreiro chamado Odudua,  que vinha de uma cidade do Leste, e que invadiu com seu exército a  capital de um povo então chamado ifé. Quando Odudua se tornou seu  governante, essa cidade foi chamada Ilê-Ifé. Odudua teve um filho  chamado Acambi, e Acambi teve sete filhos, e seus filhos ou netos foram  reis de cidades importantes. A primeira filha deu-lhe um neto que  governou Egbá, a segunda foi mãe do Alaqueto, o rei de Queto, o terceiro  filho foi coroado rei da cidade de Benim, o quarto foi Orungã, que veio  a ser rei de Ifé, o quinto filho foi soberano de Xabes, o sexto, rei de  Popôs, e o sétimo foi Oraniã, que foi rei da cidade Oió, mais tarde  governada por Xangô.
“Esses príncipes governavam as cidades que mais tarde foram conhecidas  como os reinos que formam a terra dos iorubás, e todos pagavam tributos e  homenagens a Odudua. Quando Odudua morreu, os príncipes fizeram a  partilha dos seus domínios, e Acambi ficou como regente do reino de  Odudua até sua morte, embora nunca tenha sido coroado rei. Com a morte  de Acambi, foi feito rei Oraniã, o mais jovem dos príncipes do império,  que tinha se tornado um homem rico e poderoso. O obá Oraniã foi um  grande conquistador e consolidou o poderio de sua cidade.
“Um dia Oraniã levou seus exércitos para combater um povo que habitava  uma região a leste do império. Era uma guerra muito difícil, e o oráculo  o aconselhou a ficar acampado com os seus guerreiros num determinado  sítio por um certo tempo antes de continuar a guerra, pois ali ele  haveria de muito prosperar. Assim foi feito e aquele acampamento a leste  de Ifé tornou-se uma cidade poderosa. Essa próspera povoação foi  chamada cidade de Oió e veio a ser a grande capital do império fundado  por Odudua. O rei de Oió tinha por título Alafim, termo que quer dizer o  Senhor do Palácio de Oió.
“Com a morte de Oraniã, seu filho Ajacá foi coroado terceiro Alafim de  Oió. Ajacá, que tinha o apelido de Dadá, por ter nascido com o cabelo  comprido e encaracolado, era um homem pacato e sensível, com pouca  habilidade para a guerra e nenhum tino para governar. Dadá-Ajacá tinha  um irmão que fora criado na terra dos nupes, também chamados tapas, um  povo vizinho dos iorubás. Era filho de Oraniã com a princesa Iamassê,  embora haja quem diga que a mãe dele foi Torossi, filha de Elempê, o rei  dos nupes. Esse filho de Oraniã tinha o nome Xangô, e era o grande  guerreiro que governava Cossô, pequena cidade localizada nas cercanias  da capital Oió.
“Xangô um dia destronou o irmão Ajacá-Dadá, e o exilou como rei de uma  pequena e distante cidade, onde usava uma pequena coroa de búzios,  chamada coroa de Baiani.
“Xangô foi assim coroado o quarto Alafim de Oió, o obá da capital de todas as grandes cidades iorubás.
“Xangô procurava a melhor forma de governar e de aumentar seu prestígio  junto ao seu povo. Conta-se que, para fortalecer seu poder, Xangô mandou  trazer da terra dos baribas um composto mágico, que acabaria, contudo,  sendo sua perdição. O rei Xangô, que depois seria conhecido pelo cognome  de o Trovão, sempre procurava descobrir novas armas para com elas  conquistar novos territórios. Quando não fazia a guerra, cuidava de seu  povo. No palácio recebia a todos e julgava suas pendências, resolvendo  disputas, fazendo justiça. Nunca se quietava. Pois um dia mandou sua  esposa Iansã ir ao reino vizinho dos baribas e de lá trazer para ele a  tal poção mágica, a respeito da qual ouvira contar maravilhas. Iansã foi  e encontrou a mistura mágica, que tratou de transportar numa cabacinha.
“A viagem de volta era longa, e a curiosidade de Iansã sem medida. Num  certo momento, ela provou da poção e achou o gosto ruim. Quando cuspiu o  gole que tomara, entendeu o poder do poderoso líquido: Iansã cuspiu  fogo!
“Xangô ficou entusiasmadíssimo com a nova descoberta. Se ele já era o  mais poderoso dos homens, imaginem agora, que tinha a capacidade de  botar fogo pela boca. Que inimigo resistiria? Que povo não se  submeteria? Xangô então passou a testar diferentes maneiras de usar  melhor a nova arte, que certamente exigia perícia e precisão.
“Num desses dias, o obá de Oió subiu a uma elevação, levando a cabacinha  mágica, e lá do alto começou a lançar seus assombrosos jatos de fogo.  Os disparos incandescentes atingiam a terra chamuscando árvores,  incendiando pastagens, fulminando animais. O povo, amedrontado, chamou  aquilo de raio. Da fornalha da boca de Xangô, o fogo que jorrava  provocava as mais impressionantes explosões. De longe, o povo escutava  os ruídos assustadores, que acompanhavam as labaredas expelidas por  Xangô. Aquele barulho intenso, aquele estrondo fenomenal, que a todos  atemorizava e fazia correr, o povo chamou de trovão.
“Mas, pobre Xangô, a sorte foi-lhe ingrata. Num daqueles exercícios com a  nova arma, o obá errou a pontaria e incendiou seu próprio palácio. Do  palácio, o fogo se propagou de telhado em telhado, queimando todas as  casas da cidade. Em minutos, a orgulhosa cidade de Oió virou cinzas.
“Passado o incêndio, os conselheiros do reino se reuniram, e eviaram o  ministro Gbaca, um dos mais valentes generais do reino, para destituir  Xangô.
“Gbaca chamou Xangô à luta e o venceu, humilhou Xangô e o expulsou da  cidade. Para manter-se digno, Xangô foi obrigado a cometer suicídio. Era  esse o costume antigo. Se uma desgraça se abatia sobre o reino, o rei  era sempre considerado o culpado. Os ministros lhe tiravam a coroa e o  obrigavam a tirar a própria vida.
“Cumprindo a sentença imposta pela tradição, Xangô se retirou para a floresta e numa árvore se enforcou.
“Oba so!”, “Oba so!”
“O rei se enforcou!”, correu a notícia.
“Mas ninguém encontrou seu corpo e e logo correu a notícia, alimentada  com fervor pelos seus partidários, que Xangô tinha sido transformado num  orixá. O rei tinha ido para o Orum, o céu dos orixás. Por todas as  partes do império os seguidores de Xangô proclamavam:
“Oba ko so!”, que quer dizer “O rei não se enforcou!”
“Oba ko so!”, “Oba ko so!”.
“Desde então, quando troa o trovão e o relâmpago risca o céu, os  sacerdotes de Xangô entoam: “O rei não se enforcou!” “Oba ko so! Obá  Kossô!” “O rei não se enforcou”.”
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3 - Xangô no Novo Mundo
No seu  auge, o império de Oió englobava as mais importantes cidades do mundo  iorubá, tendo assim o culto a Xangô, que era o orixá do rei ou obá de  Oió, portanto o orixá do império, sido difundido por todo o território  iorubano, o que não era muito comum, pois cada cidade ou região tinha os  seus próprios orixás tutelares e poucos eram os que recebiam culto nas  mais diversas cidades, como Exu, Ossaim e Orunmilá. O fato é que o  apogeu da dominação da cidade de Oió sobre as outras resultou numa  grande difusão do culto a Xangô. Durante muito tempo a força militar de  Oió protegeu os iorubás de invasões inimigas e impediu que seu povo  fosse caçado e vendido por outros africanos ao tráfico de escravos  destinado ao Novo Mundo, como acontecia com outros povos da África.
Quando o poderio de Oió foi destruído no final do século XVIII por seus  inimigos, tanto a capital Oió como as demais cidades do império  desmantelado ficaram totalmente desprotegidas, e os povos iorubás se  transformaram em caça fácil para o mercado de escravos. Foi nessa época  que o Brasil, assim como outros países americanos, passou a receber  escravos iorubás em grande quantidade. Vinham de diferentes cidades,  traziam diferentes deuses, falavam dialetos distintos, mas tinham todos  algo em comum: o culto ao deus do trovão, o obá de Oió, o orixá Xangô.
Isso explica a enorme importância que Xangô ocupa nas religiões  africanas nas Américas, pois foi exatamente nesse momento histórico da  chegada dos iorubás que as religiões africanas se constituíram nas  Américas, isto é, no século XIX. Particularmente no Brasil, os escravos  recém-chegados eram trazidos não mais para o trabalho nas plantações e  nas minas do interior, onde ficavam dispersos, mas sim nas cidades, onde  eram encarregados de fazer todo o tipo de serviço urbano, morando longe  de seus proprietários, vivendo em bairros com grande concentração de  negros escravos e libertos, e tendo assim maior liberdade de movimento e  organização, podendo se reunir nas irmandades católicas, com novas e  amplas oportunidades para recriarem aqui a sua religião africana.
Nascido da iniciativa de negros iorubás que se reuniam numa irmandade  religiosa na igreja da Barroquinha, em Salvador, o primeiro templo  iorubá da Bahia foi, emblematicamente, dedicado a Xangô. Seus ritos, que  em grande parte reproduziam a prática ritualística de Oió, acabaram por  moldar a religião que viria a se constituir no candomblé, e cuja  estruturação hierárquica sacerdotal em grande parte reconstituía  simbolicamente a organização da corte de Oió, isto é, a corte de Xangô,  como veremos adiante. Emblemas que na África eram exclusivos do culto a  Xangô foram generalizados entre nós para o culto de todos os orixás,  como o uso do colar ritual de iniciação chamado quelê.
Por estranha ironia, a nação de Xangô na Bahia acabou recebendo o nome  de Queto, que é a cidade de Oxóssi, e não o nome de Oió, cidade de  Xangô, como era de se esperar. Mas essa denominação deve ter ocorrido  muito tempo depois da fundação da Casa Branca do Engenho Velho, o  primeiro terreiro de Xangô, de cujo chão Oxóssi é o dono, e que serviu  de modelo a todo o candomblé. A denominação nação queto deve ter se dado  já no século XX, quando angariavam grande prestígio e visibilidade dois  terreiros que também fazem parte do núcleo de templos fundantes do  candomblé: o terreiro do Gantois, dissidente da Casa Branca, e dedicado a  Oxóssi, que era o orixá da cidade do Queto, e o terreiro do Alaketu,  cuja fundação é atribuída a duas princesas originárias da cidade do  Queto, e que também eram do grupo da Barroquinha. A expressão “nação  queto” para designar o ramo do candomblé de origem iorubá que se  constituiu a partir da linhagem da Casa Branca do Engenho Velho é  recente e não era usada antes de 1950. O nome mais comum era nação nagô,  ou jeje-nagô. A própria Mãe Aninha, que fundou outro templo dissidente  da Casa Branca, o Axé Opô Afonjá, e que, como o próprio nome indica,  também é dedicado a Xangô, costumava dizer nos anos 1930: “Minha casa é  nagô puro”.
Mas no Rio Grande do Sul, até hoje a expressão “nação Oió”, ou  “Oió-ijexá” designa os terreiros de batuque de origem iorubá. A marca de  Xangô continua ali muito presente.
Em Pernambuco, a primazia de Xangô acabou por dar nome a toda a religião  dos orixás, que naquele e em outros estados do Nordeste é conhecida  como xangô.
No Maranhão, dois templos de tradições diferentes disputam o posto de  casa fundante do tambor-de-mina: a Casa das Minas, de culto exclusivo  aos voduns dos povos fons ou jejes, e a Casa de Nagô, que, como o  próprio nome aponta, dedica-se ao culto dos orixás, os deuses nagôs ou  iorubás, além de cultuar também voduns e encantados. Ao contrário da  Casa das Minas, que não teve terreiros descendentes e hoje se encontra  em franco processo de extinção, a Casa de Nagô é a origem de vasta  linhagem de terreiros, que se espalharam pelo Maranhão e Pará e chegaram  até o Rio de Janeiro e São Paulo, ou mais além. A Casa das Minas de  Tóia Jarina, de Diadema, é originária dessa matriz. Pois o patrono da  Casa de Nagô não é outro senão Badé, nome pelo qual Xangô é reverenciado  nos templos do tambor-de-mina.
Longe daqui, no Caribe, a palavra xangô também dá nome à religião dos  orixás praticada em Trinidad-Tobago, nome que também pode ser observado  entre populações americanas de origem caribenha na costa Atlântica do  sul dos Estados Unidos.
Em Cuba, onde a santeria é tão viva e diversificada como o candomblé  brasileiro, são muitos os indícios da supremacia ritual de Xangô. Talvez  o mais emblemático seja o fato de que, durante a iniciação ritual,  apenas os sacerdotes dedicados a Xangô, segundo a tradição cubana, têm o  privilégio sobre todos os demais de receber na cabeça o sangue  sacrificial, o que indicaria que o orixá do trovão tem precedência  protocolar, e seu tambor é o mais sagrado instrumento musical da  santeria.
Onde quer que tenha se formado alguma manifestação americana da religião  dos orixás, seja o candomblé, o xangô, o batuque, o tambor-de-mina, a  santeria cubana, ou o xangô caribenho, a memória do orixá Xangô, o obá  de Oió, manteve o realce que o orixá do império detinha na África. Como  obá, Xangô também era o mais alto magistrado de seu povo, o juiz  supremo. Sua relação com o ministério da justiça fez dele, entre os  seguidores das religiões dos orixás, o senhor da justiça. Num mundo de  tantas injustiças, desigualdades sociais, marginalização, abandono e  falta de oportunidades sociais de todo tipo, como este em que vivemos, o  orixá da justiça ganhou cada vez maior importância. Seu prestígio foi  consolidado. Reiterou-se a posição de Xangô como o grande patrono do  candomblé e grande protetor de todo aquele que se sente de algum modo  injustiçado.
4- A corte do rei
A  importância de Xangô na constituição do candomblé, que é brasileiro,  pode ser identificada também quando examinamos as estruturas  hierárquicas e a organização dos papéis sacerdotais do candomblé em  comparação com o ordenamento dos cargos da própria corte de Oió, a  cidade de Xangô. Não há dúvida que as sacerdotisas e sacerdotes que  fundaram os primeiros templos de orixá no Brasil tinham grande  intimidade com as estruturas de poder que governavam a cidade do Alafim.  O candomblé é, de fato, uma espécie de memória em miniatura da cidade  africana que o negro perdeu ao ser arrancado de seu solo para ser  escravizado no Brasil.
Vejamos alguns dos cargos mais importantes da corte de Oió e sua correspondência com a hierarquia do candomblé de nação nagô.
Basorun – primeiro ministro e presidente do conselho real, que tinha  mais poder que o próprio rei, exercendo também a função de regente  quando da morte do rei até a ascensão do sucessor. No candomblé é título  dado a homem que ajuda na administração do terreiro, um dos membros do  corpo de ministros em terreiros dedicados a Xangô.
Alààpínní – chefe do culto de egungum. No Brasil, igualmente alto sacerdote do culto dos ancestrais.
Balògún – chefe militar. No candomblé, cargo masculino de chefia da casa  de Ogum. O falecido oluô Agenor Miranda Rocha, foi, por mais de 70  anos, o balogum da Casa Branca do Engenho Velho.
Lágùnnòn – embaixador do rei que tinha como encargo o culto ao orixá  Ocô, divindade da agricultura. No candomblé, espécie de ajudante do  pai-de-santo na provisão do terreiro.
Akinikú – chefe dos rituais fúnebres. No Brasil, oficial do axexê, que  pode ser um babalorixá ou ialorixá ou algum ebômi ou ogã especializado  nos ritos mortuários.
Asípa – representante dos governadores das aldeias na corte de Oió e  encarregado do culto ao orixá Ogum. No Brasil, dignidade masculina.
Isugbin – corpo de tocadores e musicistas do palácio. No candomblé são  chamados alabês, nome que na África era dado aos escarificadores, os que  faziam os aberês, as marcas faciais identificadoras da origem.
Ìlàrí – corpo de guardas da corte e de mulheres. Adoradores de Oxóssi e  Ossaim, eram também uma espécie de mensageiros e provedores reais. No  candomblé, sacerdotes que cuidam da casa de Ossaim.
Èkejì òrìsà – literalmente, a segunda pessoa do orixá, cargo sacerdotal  da corte do Alafim, sacerdotisa que não incorpora o orixá, mas que cuida  de seus objetos sagrados. No candomblé, equede, todas mulher  não-rodante confirmada para cuidar do orixá em transe e de seus  pertences rituais. O cargo, elevado na África, deu às equedes posição de  relevo também no candomblé, onde têem o grau de senioridade.
Ìyá-nàsó – mãe do culto do Xangô do rei (divindade pessoal). No Brasil,  nome de uma das fundadoras do candomblé e título feminino.
Ìyáalémonlé – encarregada de cuidar do assentamento pessoal do rei.  Entre nós, quem cuida do assentamento principal do pai-de-santo.
Ìyá-lé-òrí – mãe dos ritos de oferecimento a cabeça do rei, mantém a  representação material da cabeça do rei em sua casa. No candomblé  preside o bori.
Ìyá mondè ou bàbá – Mulher que cultua os espíritos dos reis mortos.  Chamam-na também de Bàbá. O alafim dirige-se a ela como “pai”, pois elas  detêm a autoridade do “pai”, como as dirigentes da umbanda brasileira,  também chamadas de babá.
Ìyá-le-agbò – prepara os banhos rituais do rei. No candomblé, mulher que cuida dos potes de amassi.
Ìyá-kèré – chefe das mulheres ilaris; é ela quem coroa o rei no ato de  sua entronização. A atribuição, mantida, é hoje no candomblé da  competência de pais e mães-de-santo que colocam no trono o novo chefe do  terreiro nas ocasiões de sucessão.
Muitos  outros títulos do candomblé foram tomados de outras cidades e  instituições que não a corte de Oió, mas é inescondível a importância da  cidade de Xangô na estruturação dos terreiros brasileiros de origem  iorubá. De toda sorte, são variadas as adaptações, muitas vezes  esvaziando-se o cargo de suas funções originais.
Com o sentido de reforçar a idéia do terreiro de candomblé como  sucedâneo da África distante, para legitimar suas estruturas de mando e  valorizar sua origem, cargos de tradição africana são recuperados e  adaptados com certa liberdade pelos dirigentes brasileiros. Assim  surgiram os obás ou mogbás de Xangô, conselho de doze ministros do culto  de Xangô, instituído inicialmente no terreiro Axé Opô Afonjá na década  de 1930 por sua fundadora Mãe Aninha Obabií, assessorada pelo babalaô  Martiniano Eliseu do Bonfim, e depois reinstalado nos mais diferentes  terreiros que têm Xangô como patrono. Os obás brasileiros de Xangô têm  funções diversas daquelas africanas, mas os nomes dos cargos são  referência constante à vida político-administrativa dos iorubás antigos.  Eles são divididos em ministros da direita, com direito a voto, e  ministros da esquerda, sem direito a voto. Cada um deles conta com dois  substitutos, o otum e o ossi.
O conjunto dos obás da direita criados por mãe Aninha é constituído dos  seguintes cargos: Abíódún (nome que designa aquele nascido no dia da  festa); Àre (título que se dá a uma pessoa proeminente da corte); Àrólu  (o eleito da cidade); Tèla (nome masculino da realeza de Oió); Odofun  (cargo da sociedade Ogboni); Kakanfò (título do general do exército). Os  da esquerda são: Onansòkun (pai oficial do obá de Oió); Aressá (título  do obá de Aresá); Eleryin (título do obá de Erin); Oni Koyí (título do  obá de Ikoyi); Olugbòn (título do obá de Igbon); e Sòrun (chefe do  conselho do rei de Oió). Estes nomes designam hoje postos sacerdotais,  dignidades religiosas; na África designavam cargos de homens poderosos  que controlavam a sociedade ioruba e suas cidades.
Um rei africano era, antes de mais nada, um guerreiro. Guerras,  conquistas, povoamento de novas terras, escravidão, descoberta e  renascimento, tudo isso faz parte da história de Xangô, rei e guerreiro,  como faz parte das memórias de nossa própria civilização de  brasileiros. Mas Xangô é mais que história da África e mais que história  do Brasil. Seu duplo machado visa a justiça para cada um dos dois lados  que se opõem na contenda, suas pedras-de-raio são o santuário guardião  das esperanças de tanta gente que padece em conseqüência das mazelas de  nossa sociedade: desemprego, falta de oportunidades, incompreensão e  dificuldade no trabalho, escassez de meios de sobrevivência, perseguição  e disputas insanas, inveja, complicações legais de toda sorte, e tantas  outras coisas ruins. Apelar a Xangô, para o devoto, é buscar alento,  realimentar esperanças, prover-se de forças para a difícil aventura da  vida.
Mas no terreiro em festa, sob o roncar frenético dos tambores, a dança  de Xangô não é tão somente demonstração de energia e de força marcial,  de cadência e de vitalidade, mas igualmente harmonia, graça e  sensualidade. Xangô é duro, mas também se compraz com o bom da vida. O  paladar de Xangô lembra as qualidades do bom glutão que não dispensa  jamais o prazer da boa mesa, tanto que até nos faz pensar nele como um  rei gordo e guloso. Tanto é assim que suas oferendas votivas devem ser  sempre servidas em grande quantidade, pois Xangô aprecia que seus  súditos comam muito e bem.
Seu prato predileto é o amalá, comida feita à base de quiabo, camarão,  pimentas de várias qualidades, e tantos outros condimentos que são  verdadeiras iguarias, utilizados pelas filhas-de-santo que muito  apreciam e disputam a preparação da comida para os deuses. A comida  servida no terreiro serve também para “reunir gente”, e Xangô é o orixá  que mais as acolhe, pois toda corte é repleta de súditos e não seria  diferente no terreiro, onde há sempre muita gente, muita dança e muita  comida.
Além de orixá comilão, Xangô também é o grande amante e teve muitas  mulheres como contam seus mitos. Um deles relata que Xangô era um rei  poderoso, um dia apareceu em seu reino um grande animal que devorava a  todos, homens, mulheres e crianças. Xangô, acompanhado de suas três  mulheres resolveu enfrentar o animal monstruoso. Xangô amava suas  esposas, mas amava também todos os homens e mulheres que o acercavam, e  nada mais natural do que defendê-los de tal criatura. O ser monstruoso  rugia e toda a terra tremia. Xangô não quis soldados para vencer o  animal. Xangô lançou chamas de sua boca e derrubou o animal matando-o  depois num só golpe com seu oxé. Vitorioso, Xangô cantou e dançou,  estava feliz. Dali em diante foi ainda mais amado pelos homens e  mulheres de seu povo e por todos aqueles que ouviram falar de seu feito.
No Brasil, o aspecto erótico da representação de Xangô foi muito  atenuado em comparação a Cuba, onde seus gestos de dança insinuam  relações sexuais e seus objetos de forma fálica enfatizam seu gosto pelo  sexo. Mas mesmo entre nós é o orixá de muitas esposas. Tantas mulheres e  tantas paixões carnais não reforçam e são a confirmação de que a vida  pode ser plena das doçuras e gozos do amor? O que queremos dizer é que  Xangô não nos remete tão somente aos aspectos sérios, circunspectos e  duros dos compromissos do dia-a-dia, mas nos faz lembrar, sim, o tempo  todo, que a vida é muito boa para ser vivida, e por isso mesmo temos que  lutar por ela sem descanso. É por essa razão que o fiel sempre pede  passagem para o rei, gritando para o povo reunido em festa: “Deixai  passar, deixar passar Sua Majestade”, “Kaô, kaô Kabiessi”. 
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